quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Fotojornalismo de araque


por André Luís Rodrigues

Atire a primeira câmera o fotógrafo (no caso fotojornalista) que nunca montou ou aproveitou a montagem de uma situação. E justamente nesse sentido surge uma questão: até que ponto o fotojornalista pode ou deve interagir com a situação a ser fotografada. Assunto interessante, pois coloca em questão a ética e a postura profissional. Veja alguns exemplos e a opinião de alguns profissionais sobre o tema.

Em fotojornalismo tende-se a acreditar na verossimilhança e o relato do real. A fotografia, em seu conceito, está extremamente atrelada a isso. No entanto, teóricos debatem o tema, pois é corroborado com os inúmeros casos de manipulação fotográfica (e da informação), direcionamentos, encenação, entre outros.

Como o tema é encenação e montagem de fotos, podemos referir-se a duas imagens que (atualmente) ganharam destaque por serem tidas como encenadas. “O Beijo”, de Robert Doisneau; e a “Morte de um miliciano”, de Robert Capa. No caso de Doisneau, ainda passa, ele praticamente foi um fotógrafo de publicidade, diferentemente dos fotógrafos de guerra que ficam tão à mercê quantos aos corpos no front. Justamente por isso, na foto de Capa a coisa é mais complica. Ícone da fotografia de guerra registrou o exato momento em que um soldado é abatido.

Há mais exemplos, como a emblemática foto de Joe Rosenthal, no monte Iwo Jima, na qual militares estendem a bandeira americana – a batalha também foi retratada recentemente no cinema, inclusive com foco na encenação do hasteamento da bandeira.

Caso particular – cobertura de passeatas, manifestações e atos
Por questão ilustrativa, vamos aproximar a questão e exemplos. Para estudo de caso, cito uma situação específica. No dia-a-dia, o fotojornalista se depara com trivialidades. Repetições e repetições de fatos. A mesma cena, a mesma fonte, a mesma retórica. Em passeatas e manifestações (que tenho certo gosto de cobrir), observo fotógrafos incitando e, às vezes, inclusive direcionando a montagem de uma foto. É comum ver e ouvir pedidos aos manifestantes para gritarem, se aglomerarem para reforçar a quantidade de pessoas, moverem as bandeiras e faixas, entre outros ardis fotográficos, dignos de fotógrafos que trabalham em eventos sociais.
Movimento MST promove ato em 2006. Inserido, porém despercebido. Acompanhar a movimentação com certa "distância" é alternativa
Até que ponto isso é lícito e aceitável? Quem monta, participa, incita ou encena um fato, mesmo que sutil, está sendo desonesto com o leitor/apreciador da imagem? Pode ser considerada falta de ética profissional? Afinal, passar a informação de forma clara, real (no que a palavra permite) e objetiva, é a proposta inalienável do fotojornalimo.

E a tal “direção” na hora de fotografar vem ganhando força. O fotojornalismo tipo foto posadinha de revista firmou-se no jornal. Fotos posadas, ajustadas, dirigidas, estampam os mais variados gêneros do fotojornalismo e editorias nos jornais – do hard news à geral, do cotidiano ao esporte ao a geral. Cadernos especiais e reportagens compartamentais são mestres na fotografia representativa.
Em Curitiba, manifestação dos guardas municipais. O recurso da objetiva facilita estar presente e registrar os fatos sem interferir
A proximidade e o ato fotográfico em si, que já possibilita a pose, não são obstáculos para uma foto natural
Sarcasticamente falando, seria interessante ver um fotojornalista, numa cobertura de confronto qualquer e no melhor fotojornalismo de araque, pedir: “atire a bomba novamente pra eu fotografar”, ou “dê mais tiros, por favor”, “empilhe mais mortos aqui para realçar a foto”. Surreal!

Artimanhas
Lendas de ardis fotográficos por tempos fizeram parte da cobertura fotográfica. Em fotojornalismo policial, a produção ganhava ares dramáticos. Fotógrafos, em busca da melhor foto para estampar a capa, carregavam suas lanternas, e há quem diga que bonecas, chupetas, dentaduras e afins, também faziam parte do arsenal. Tudo isso para maquiar a cena.

Pose ou encenação
Típica foto posada. Isso é direção e/ou encenação?
Contudo, é preciso salientar a diferença entre encenação e pose. A pose e o retrato fazem parte da linguagem fotográfica e do fotojornalismo respectivamente. Também chamada por figuração é parte do processo de conotação fotográfica. A pose (bem utilizada e em seu contexto) auxilia a representação numa notícia, principalmente as comportamentais.

Uma coisa é publicar uma foto posada, em que a pauta é entrevistar um escritor, uma banda, profissionais e demais agentes, para um reportagem específica. Outra é, num fato/notícia (no caso um acontecimento), pedir para as pessoas posarem na tentativa de reforçar/exaltar uma informação. Contudo, a prática é aceita como possibilidade de representar os personagens que fazem parte do ato - não que isso seja bom.

Opinião profissional
O fotojornalista, atuante em São Paulo e editor do site 28mm, Henrique Manreza, tem uma opinião bem pertinente. “Como fotojornalista eu não tenho o direito de interagir com o fato, inflamar, ou seja lá o quê, para transformar a foto mais interessante”, destaca. “No fotojornalismo o leitor espera ver a realidade, ou a sua visão daquela realidade, e não que você interfira para ela acontecer.

Paulo Pimenta, fotojornalista que atua na linha de frente do jornal Público PT e edita o blogue Fotopress, em Portugal, destaca que a atitude, principalmente de incitar o público numa manifestação, é prática de “mau jornalismo”. E que se trata de uma questão de ética e deontologia. “Tenho que ter a consciência que ao ir para uma manifestação o meu trabalho é não interferir, alterar, criar algum momento que não seja aquele que lá está a passar-se. Eu não posso pôr as pessoas abanar as bandeirinhas, a gritar, a chorar, para eu tirar a fotografia. Eu tenho que estar o mais ausente/presente possível dos acontecimentos”, opina. “Esse é o meu objetivo tentar dar o máximo de informação sem interferir, é nisto que eu luto e acredito.”

Credibilidade
Encenar, direcionar, instigar ou simplesmente por “pilha” num ato põe em xeque a credibilidade do fotojornalismo. Quem defende isso é o fotógrafo e diretor de defesa corporativa do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Paraná (Sindijor-PR), Pedro Serápio.

Profissional gabaritado, com imensa bagagem em todos os contextos da fotografia – desde a pauta mais simples a eventos internacionais, Pedro diz que, no caso do profissional de imagem, a atitude deve ser uma só: a de ser observador e link do acontecimento até o conhecimento da sociedade; simplesmente. “O profissional não deve interferir em nada que possa alterar o curso da história”, reforça. Segundo Pedro, o que passar disso é defesa de interesse do veículo de comunicação e falta de ética mesmo.

Ética e deontologia no Fotojornalismo
Como afirma o teórico Jorge Pedro Sousa, as imagens em certas ocasiões tendem a ter mais força que palavras e consequentemente deveria ser enfatizado o debate sobre ética e deontologia no campo do fotojornalismo.

Falar de ética, como diz Sousa, implica em falar (e analisar) diversas perspectivas. Não somente na discussão da ética na imagem – principalmente no respeito ao fotografado, mas na postura mesmo.

Realmente, ‘perspectivas’ não faltarão. Pode-se dizer que teríamos pormenores não somente ao recurso das encenações, mas também relativas à profissão em si e suas organização como categoria. Afinal, fotojornalista dessa era multimídia, trabalha sobre pressão, cumpre várias pautas e tarefas no mesmo dia e é refém do horário e do sistema jornalístico em si. Contudo, esses elementos não sustentam o pecado de não ser profissional, pois câmera e ‘fotógrafos’ existem aos milhares. Agora, profissional; no sentido de viver disso e ter comprometimento com o jornalismo, isso não é para todos. Pelo menos para quem deseja fazer jornalismo de verdade e sem truques ou gritos de "levanta a cabeça pra eu fotografar"...

4 comentários:

Mel Braga disse...

Esse blog é tuuuuuuudo de bom..rsss
adoro...!!!

Rodrigo Capote disse...

Falta de Ética, nao aceitável, falsos fotojornalistas, aventureiros, são aqueles que alteram cena no fotojornalismo. Pedi pra gritar, balançar bandeira, "vira pra mim", "olha pra lá", e outras mais, são banidas do fotojornalismo. Mas infelizmente essa escola ta crescendo, com a facilidade de comprar um SLR e dizer por ai que agora é FOTOGRAFO, sem estudo, sem saber oq é fotografia, sem saber mexer no equipamento, bota no AUTO e sai pra manifestação (pq aqui em SP a cada protesto na Paulista no minimo 40 cameras SLR clicando) e acha q é normal alterar foto, grande maioria amadores, mas vejo muito "profissionais" que tao começando fazendo a mesma coisa q amadores, aventureiros. E jogo minha camera sim, pq se fosse pra montar foto trabalharia com publicidade. Parabens pelo espaço.

Lineu disse...

Muito interessante a discussão. Parece que a posição é clara quando se trata de uma interferência direta, explícita e intencional do fotógrafo, postura criticada, tal como se pode ver. Todavia, se entendermos que a presença do fotógrafo já é em si uma interferência, penso que essa questão poderia ser mais discutida. Na sociedade do espetáculo, a presença do fotógrafo faz parte do acontecimento - nesse sentido, interferir é desnecessário, pois todos já sabem como se comportar diante de uma câmera. Acho que vale a pena citar a foto de Sebastião Salgado, a Fazenda Giacometti, discutida por José de Souza Martins, publicada no livro 8 x fotografia. abraços.

Daniel Caron disse...

Concordo com Lineu. A própria presença do fotógrafo interfere na cena. O purismo da fotografia é amparada pela mesma lógica da imparcialidade no exto, algo que é naturalmente impossível para qualquer ser humano. Acredito que é preciso ter respeito com o sujeito que está na frente da suas lentes, fazendo o melhor possível para construir a narrativa visual da pauta. Muitas vezes o fotojornalista por não se permitir interagir com o personagem da pauta acaba se tornando apenas um ladrão de imagens, longe do ideal de trazer a história em uma imagem. Entendo quem se agarra no purismo, mas uma foto com conteúdo jornalístico bem feita vai muito além de ser ela posada ou não, precisa chegar na máxima de registrar o aquela história com amor e respeito pelo outro. AHO!